domingo, 2 de setembro de 2012

Uma dança fatal

Existe no Sistema Solar uma dança de morte e regeneração entre as luas e (quiçá?) os anéis de Úrano. Um estudo publicado pela revista Icarus, utilizando modelos matemáticos e um programa informático, revela que várias das luas mais interiores de Úrano poderão chocar entre si num futuro próximo (astronomicamente falando, claro!), de entre 1000 e 10 milhões de anos, podendo dar origem a novas luas ou até a um novo anel.
 
Os autores do estudo publicado pela Icarus, Robert French e Mark Showalter, consideram que o par de luas Cupido e Belinda serão os primeiros a chocar entre si, seguindo do par Cressida e Desdemona. E não têm dúvida que a posição relativa das luas mais interiores de Úrano estará sempre em mudança. Daqui a alguns milhares de anos Úrano poderá apresentar novas luas e novos anéis.
 


A figura anterior mostra duas fotografias de Úrano e algumas das suas luas mais interiores. As fotografias foram tiradas em 1997 pela sonda Hubble, com 90 minutos de diferença, permitindo observar o movimento de translação das luas em torno de Úrano (representadas pelas setas na fotografia da direita) Nas fotografias é também possível ver alguns dos anéis de Úrano (com destaque para o anel épsilon (ε)), mas não o anel nu (ν) que French e Showalter pensam poderá estar em processo de acreção (aglomeração de material de pequenas dimensões do anel para formar um astro de maiores dimensões) e poderá dar origem a uma nova lua.

Úrano foi o primeiro e, com a recente despromoção de Plutão, o único planeta a ser descoberto utilizando um telescópio. Foi observado pela primeira vez em 1781 pelo astrónomo e músico William Herschel. Foi também Herschel que descobriu as duas primeiras luas de Úrano, Titânia e Oberon. Actualmente são conhecidas 27 luas movendo-se em torno de Úrano, todas com nomes de personagens de peças do dramaturgo inglês William Shakespeare (1564–1616).

As cinco maiores luas, Titânia, Oberon, Ariel, Umbriel e Miranda, também foram descobertas recorrendo a telescópios. As outras 22 luas conhecidas de Úrano são demasiado pequenas para poderem ser descobertas utilizando telescópios convencionais. Só a passagem da Voyager 2 pelo planeta em 1985-86 e o telescópio Hubble permitiram a descoberta destas luas, com a constatação de um facto curioso: Existem treze pequenas luas situadas no pequeno espaço entre Úrano e as cinco luas maiores, uma situação única no sistema solar.

Tantas luas em tão pouco espaço tornam muito provável o choque entre elas. Mas quais as luas de Úrano com maior probabilidade de chocar entre si? A interacção entre as 13 luas interiores de Úrano é o alvo do estudo publicado pela Icarus. French e Showalter desenvolveram um modelo matemático e um programa informático que permitem, conhecendo a órbita e a massa das luas de Úrano, determinar a possibilidade de colisão entre dois destes astros.

Dois astros não chocam “por acaso”. Para que duas luas choquem entre si é necessário que as suas órbitras se cruzem. Quando tal acontece mais tarde ou mais cedo as luas acabam por se encontrar. Mas a órbita de uma lua (a sua trajectória em torno de um planeta) depende da sua massa e também da proximidade de outras luas. Qualquer astro (na verdade a massa do astro) influencia (altera) a trajectória de um astro vizinho. Assim, no sistema de Úrano, a presença de tantas luas, tão próximas umas das outras, faz com que as suas órbitras estejam em constante mudança.

A distância de Úrano à Terra e o pequeno tamanho das suas luas não permitem, com a tecnologia actual, calcular com precisão a massa de cada uma. E sem conhecer a massa de uma lua é impossível determinar com precisão a sua trajectória e a trajectória das luas vizinhas. O programa informático desenvolvido por French e Showalter supera este problema ao permitir fazer variar a massa de cada lua. Para cada simulação é definida a massa de cada lua interior de Úrano e indicada a sua trajectoria conhecida. O programa tem em consideração a influência da massa de cada lua sobre a trajectória das luas vizinhas e finalmente a influência das cinco grandes luas sobre todo o conjunto.

Os resultados apresentados por French e Showalter revelam um cenário de colisão, envolvendo várias das luas interiores de Úrano. Cupido e Belinda são as que têm probabilidade de chocar entre si mais cedo, entre 1000 e 10 milhões de anos. Segue-se o par Cressida e Desdemona que poderão chocar entre si nos próximos 100 mil a 10 milhões de anos.

O trabalho de French e Showalter poderá resolver uma outra questão interessante. Quando duas luas colidem entre si, os detritos formados podem formar um anel em torno do planeta. Ora um dos anéis de Úrano, o anel ν (nu), parece estar numa zona pouco convencional. Este anel, situado entre as luas Portia e Rosalinda, poderá estar em processo de acreção e, segundo French e Showalter, poderá no futuro tornar-se numa nova lua.

  

Nota: o artigo de French e Showalter publicado na revista Icarus pode ser encontrado aqui.

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